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terça-feira, 13 de março de 2012

A atipicidade da mera guarda de moeda falsa recebida de boa-fé, sem que haja dolo de recolocá-la em circulação

A atipicidade da mera guarda de moeda falsa recebida de boa-fé, sem que haja dolo de recolocá-la em circulação:
Não basta a simples guarda de moeda falsa para se ferir a fé-pública. O seu recebimento de boa-fé e a falta de dolo em recolocá-la em circulação são fatores que devem ser levados em consideração para que seja demonstrada a atipicidade da conduta.

Fonte: Revista Jus Navigandi

Marta Porto: ‘A cultura ainda não se tornou prioridade’

Marta Porto: ‘A cultura ainda não se tornou prioridade’:
RIO - Desde que saiu do Ministério da Cultura (MinC), Marta Porto vinha se mantendo em silêncio. Chegou-se a se especular que a ex-secretária de Cidadania e Diversidade Cultural, no cargo entre maio e setembro do ano passado, poderia substituir Ana de Hollanda na pasta e que teria sido essa a razão dos desentendimentos entre ela e a ministra. Mas, em entrevista exclusiva ao GLOBO, Marta diz que faltou compatibilidade e confiança na atual gestão do MinC. Atualmente preparando um livro sobre política cultural — inclusive tratando de sua experiência no governo —, a ser lançado este ano, Marta trata ainda da crise nos Pontos de Cultura e do que chama de "vazio político" na cultura brasileira.
O GLOBO: Por que você deixou o MinC após poucos meses de gestão?
MARTA PORTO: Por falta de compatibilidade política e de confiança mútua. Assumi ao longo da vida profissional posições e compromissos públicos sobre vários dos temas que tensionaram o debate cultural desde o início dessa gestão e estar numa posição de liderança no Ministério da Cultura exigia naturalmente um alinhamento impossível. Por outro lado, assumi o comando de duas secretarias complexas e com maior relação com os movimentos culturais, a de Cidadania e a da Diversidade com um quadro administrativo e de gestão caótico. Desde o princípio tinha a firme convicção que era possível atravessar esse primeiro momento atuando em duas frentes: mobilizando a capacidade técnica instalada no MinC para identificar e apresentar soluções rápidas, imprimindo mais transparência aos processos, e em paralelo ampliar o debate político, dentro e fora do governo, da necessidade de estabelecermos um novo marco para a política de cidadania e diversidade cultural, a partir de macro programas com maior inserção no debate feito do Estado e na sociedade brasileira, juventude, infância, direitos culturais. Foi uma tese derrotada e isso faz parte do jogo.
O GLOBO: Na época, falou-se que havia um movimento de articulação para que você substituísse Ana de Hollanda. E se falou que isso poderia ter sido a razão para o rompimento entre você e a ministra. Isso é verdade?
MARTA PORTO: Houve boatos e não articulação. Sem dúvida isso não ajudou para estabelecer uma relação de confiança entre pessoas que não se conheciam, mas não foi o motivo.
O GLOBO: Desde sua saída, há boatos de que seu nome é cotado para o ministério. Alguma vez você foi consultada?
MARTA PORTO: Nunca fui consultada.
O GLOBO: Quando você deixou o MinC, você publicou um comentário em sua página no Facebook, que indicava que os projetos da Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural não foram priorizados. Isso aconteceu? Os Pontos de Cultura, por exemplo, deixaram de ser prioridade?
MARTA PORTO: Tenho que reconhecer que houve um grande esforço de agir para colocar todas as dívidas com os Pontos de Cultura um dia, para compreender as complexidades do programa e buscar soluções. Mas desde o princípio a prioridade política foi estruturar a Secretaria de Economia Criativa e apostar politicamente nesse caminho. Perdemos a chance de propor uma política de cultura sintonizada com os principais desafios da sociedade brasileira para além da economia: a democracia e todos os valores culturais que ela exige para ser mais do que um regime político. Criar as condições de participar da elaboração de uma nova agenda de direitos e cidadania onde o acesso a cultura - como oportunidade de criar e ser reconhecido, mas também de conhecer o desconhecido - se estabelece como um direito do cidadão, discutido não mais como discurso, mas como plataforma de Estado com os recursos necessários para engajar municípios, estados e redes culturais para superar as condições de desigualdade que se mantém há séculos nesse país. Estávamos desenvolvendo as condições técnicas e políticas para que isso fosse possível em pouco tempo, estimulando o debate intergovernamental e com as redes de produção cultural, mergulhando nas pesquisas, debatendo internamente. Como esse é caminho que vem sendo discutido amplamente nos últimos anos no país, não foi difícil encontrar as condições na sociedade para rapidamente colocar algumas propostas objetivas, mas aí faltou a prioridade política que cito no texto que publiquei. A equipe foi sentindo que estava no lugar certo, mas no momento errado.
O GLOBO: Há alguma má vontade política com o programa dos Pontos de Cultura? Ao que você atribui os cortes orçamentários e as dívidas do Cultura Viva?
MARTA PORTO: Não acho que há má vontade, mas se criou em torno do programa uma visão quase messiânica o que não ajuda o debate político. Para se estabelecer como política pública e não como política pessoal ou privada que faz uso de recursos públicos, é necessário que o programa seja visto com racionalidade e a luz das informações e resultados que vem produzindo. Há problemas evidentes de gestão, de transparência no processo decisório, de relação Estado-Sociedade. Há também uma falta de clareza institucional para lidar com a diversidade dos próprios pontos de cultura e as condições de desigualdade que se instalaram dentro do próprio programa. O Cultura Viva é uma grande ideia, que permitiu ao Estado reconhecer e impulsionar um sem número de instituições culturais que antes não tinham acesso ao Estado, e isso em si já é uma grande vitória. Mas por outro lado, em 7 anos não criou as condições objetivas para preparar o Ministério da Cultura, e portanto o governo como um todo, para compreender e gerenciar as pecularidades dessa produção e dessas organizações. As dívidas são reflexo desse descontrole, do desejo de expandir cada vez mais as redes e da incapacidade do Estado de dar resposta efetiva para isso. Muitos dos recursos não são repassados por inadimplência das organizações ou por atrasos nas prestações de conta pelo próprio MinC.
O GLOBO: Três dos editais do programa foram cancelados pelo MinC no ano passado. Um deles foi o Agente Escola Viva. Em abril de 2011, um parecer da Consultoria Jurídica da AGU no MinC dizia que o prazo do programa Agente Escola Viva deveria ser prorrogado. Mas, 15 dias depois, um novo parecer assinado pela mesma advogada da AGU substituiu o primeiro, com uma conclusão contrária à prorrogação. O que aconteceu?
MARTA PORTO: É preciso dizer que fui nomeada formalmente pelo Diário Oficial em 5 de maio 2011 e que antes dessa data não tinha acesso aos processos, acompanhava e orientava as decisões a partir das discussões feitas com a equipe técnica. Nesse caso o que ocorreu, é que em março 2011 foram feitas consultas formais à Conjur do Ministério da Cultura sobre a validade de dois editais - Agente Escola Viva, publicado em 14 de julho 2009 e Agente Cultura Viva, este publicado em 15 de setembro de 2009 -, solicitando um pronunciamento formal sobre a vigência dos editais para proceder aos trâmites de validação dos processos. Os pareceres que nos chegaram, emitidos com um dia de diferença, tinham posições contraditórias o que causou estranhamento na área técnica. Fizemos uma reunião com o coordenador da Conjur, Dr. Claudio Peret, solicitando uma posição consolidada que orientasse a decisão final e
ela nos foi entregue através de parecer assinado pela Conjur em 20 de abril. Isso consta nos autos do processo e com base nisso em junho já nomeada, tomei as medidas de cancelamento dos editais. A carta onde divulgo aos selecionados a posição do Ministério da Cultura, foi um cuidado ético, proposto em reunião com a Comissão Nacional de Pontos de Cultura realizada em Brasília em maio. Naquele momento, nos pareceu que diante das consequências para todos os envolvidos, era a única atitude esperada de um gestor, que se dirigisse a cada um explicando as razões do cancelamento, se solidarizando com as consequências e propondo soluções. Lamento que hoje, essa postura de cuidado seja usada com o propósito contrário.
O GLOBO: A atual gestão do MinC costuma dizer que as contas a pagar e dívidas deixadas pela gestão anterior para os Pontos de Cultura foram muito altas. Você concorda?
MARTA PORTO: Sim, eu concordo. Não se trata apenas de dívidas, mas de desorientação administrativa, de pilhas de processos sem resolução, de prestações de contas sem retorno desde 2008. Como lidar com tudo isso de forma respeitosa com as pessoas e cuidadosa com as exigências de ser governo e estado, sem provocar atrasos? É impossível.
O GLOBO: Como você avalia o trabalho de Ana de Hollanda? E como você avalia a forma com que a Cultura é tratada no governo Dilma?
MARTA PORTO: Vou lançar um livro ainda esse ano onde faço essa avaliação de forma mais cuidadosa e consistente. Acho que a cultura ainda não se tornou uma prioridade para o Estado e mesmo para a sociedade brasileira. Isso não acontece apenas no Brasil, recentemente o governo conservador espanhol tomou a medida de acabar com seu Ministério da Cultura, integrando suas atividades em outro Ministério. Tenho visto isto em todos os momentos da minha vida profissional, e creio que em boa parte a responsabilidade é nossa, dos pensadores, artistas, produtores e gestores de cultura que fomos incapazes de assumirmos um protagonismo nos grandes temas e desafios que o país e o mundo enfrentam. Silenciamos sobre as condições da democracia, os direitos humanos, a desigualdade social e mesmo, sobre a formação do cidadão, crianças e jovens e nos últimos anos deixamos de pensar também sobre temas que nenhuma outra esfera pública irá se dedicar: as artes, os direitos culturais, a crítica, o pensamento. Entendo que para qualquer governante seja difícil entender como se relacionar com esse vazio político. E a gestão da Ana de Hollanda, é um reflexo desse vazio e não a sua causa. Ainda assim, temos que lutar para que nossa contribuição possa se estabelecer de uma forma mais consistente, nossos programas articulem propostas com e para a sociedade, considerem as mudanças culturais em curso no mundo todo e a coloquem para que os governos possam refletir sobre as suas decisões. Creio nesse caminho construtivo e continuo ativamente trabalhando para isso.
O GLOBO: Você se arrepende de ter participado do MinC?
MARTA PORTO: Não, aprendi muito e acho que dei minha contribuição também. Nada pode ser lido com visão imediatista. Estar no MinC, no governo, levantou reflexões adormecidas que vieram a tona com muita intensidade.
O GLOBO: Você enxerga num futuro próximo a Cultura como uma política relevante para as instituições e governos brasileiros?
MARTA PORTO: Se não acreditasse, não estaria trabalhando, debatendo, propondo. Acredito e vou lutar sempre para que isso ocorra, simplesmente porque a democracia brasileira vai ser mais forte se contar com a diversidade cultural do seu povo e com a inovação que em das artes. Um país sem alma, não tem destino e a cultura pode contribuir muito para estabelecer outras e novas condições sociais.

Fonte: O GLOBO - Cultura de André Miranda.