Se a curiosidade matou o gato, pelo menos ele não morreu ignorante.
The truth is out there and inside us.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Quem somos?

O dia era reluzente. O pasto banzeirava com o vento e seu verde apaziguava meus ânimos. Sabe? Não? eu fiquei deitado sob o oitizeiro por horas, remoendo. Só o silêncio, por instantes, me davam a certeza de ainda não havia ido, ainda estava. As rolinhas que eu via só se preocupavam em determinar seu futuro, pequenos instantes, busca de alimento, crianças para cuidar, ovinhos que precisam de todo cuidado. O sol nem parecia estar tão brilhante; e nesse dia nem estava deprimido, mas a frescura do dia me deixava refrigerado, em paz. O sono chegava de vez em quando e para espantá-lo, só mesmo fechando os olhos por uns instantes e entre um peixe e outro um susto, a sensação de queda, alguém que amamos vindo em nossa direção, a lembrança do trabalho por fazer.
De toda a paz que eu senti nesse dia só uma coisa me atrapalhou o fluxo. Eu vi algo incomum. Ela nunca estava aberta assim, a porteira. Levantei a cabeça. Olhei para os dois lados, mesmo sem rua. Avaliei as possibilidades. E fechei os olhos. Depois fiz tudo de novo, daí resolvi me levantar, bem devagar, para não acordar o barulho; o som das folhas e galhos estalando sob mim foi aceitável. Olhei de novo para ver se alguém me espiava e fui andando em direção a ela.
O que viria depois? Era o portal para novos mundos? Universos se abririam agora diante de mim? A incerteza do certo e essa incompreensão do não conhecido revolviam dentro de mim. E a grama banzeirava. Ao chegar próximo a ela constatei a possibilidade do infinito - da liberdade - aí minha existência faria sentido. Sim! Estava defronte a razão de mim - viver - seguir em frente - ter histórias para contar - saber de tudo um pouco, ou até mesmo o tudo. A ambição tomou conta de mim. Nessa hora já não era eu mesmo, por instantes me desconheci. Até que criei coragem e segui. Atravessei. O que será?
Senti um calor na costa - estremeci. Quase caí no chão. Eles haviam chegado, não sei de onde. Já estavam em cima de mim quando me percebi amarrado, encangado, no chão. Esses bípedes carniceiros, não nos deixam viver, não podemos ruminar em paz, sentir o vento no couro. Já não podemos ser animais nesse mundo de humanos... [continua no próximo episódio]

Vale a pena lembrar e cantar...

Qui Nem Jiló
(Luiz Gonzaga / Humberto Teixeira)
Se a gente lembra só por lembrar
Do amor que a gente um dia perdeu
Saudade inté que assim é bom
Pro cabra se convencer
Que é feliz sem saber
Pois não sofreu

Porém, se a gente vive a sonhar
Com alguém que se deseja rever
Saudade intonce aí é ruim
Eu tiro isso por mim
Que vivo doido a sofrer

Ai, quem me dera voltar
Pros braços do meu xodó
Saudade assim faz doer 
Amarga que nem jiló
Mas ninguém pode dizer
Que vivo triste a chorar

Saudade, meu remédio é cantar
Saudade, meu remédio é cantar

Pré-feriado

Hoje é pré-feriado para mim. O dia está quente - muito quente mesmo - suar não resolve e o ar, o vento, chega abafado em meu rosto. Aqui na agência há quatro refrigeradores de ar, mas não dão conta não. improvisei um abano com uma prancheta do CENSO 2000, dá pra refrescar algumas regiões do meu corpo, alternadamente, mas o exercício cansa e só de parar um bocadinho já esquenta tudo de novo. O garrafão de 20 litros d'água do bebedouro seca duas vezes ao dia.
Já preenchi as MACUVs, dei conta das notas fiscais, os relatórios estão em dias e creio que daqui para o fim da tarde nada mais vá seguir mal. Tenho só que ligar pro Posto NB para garantir que uma certa nota fiscal seja preenchida corretamente. Peguei o telefone para ligar para lá. Já liguei, mas não há quem atenda.
Os demais supervisores adorariam estar em algum outro lugar fazendo sabe-se lá o que - ou melhor não fazendo. Eu particularmente estaria de molho em algum igarapé ou então estaria brincando de pega-pega com meu filho ou assistindo os desenhos favoritos dele.
Pré-feriado é tudo igual. As coisas que funcionam, funcionam pela metade e o restante é menos hipócrita - não funcionam mesmo, punto i basta. Aqui e acolá vem alguém me fazer uma pergunta - acho que estão procurando o que fazer ou simplesmente puxam conversa.
E assim segue a vida, seguindo.

O Revérbero [encontrei esse blog interessante]


SEXTA-FEIRA, 23 DE ABRIL DE 2010

O revérbero

A conversa da vez era sobre teatro ou vida ou coisa assim. Ambos gostavam de refletir e analisar as convenções do universo social. Ela tinha o seu jeito todo peculiar de observar as coisas, sempre imbuída de racionalidade e realismo. Ele, todavia, era um pouco mais idealista e subjetivo, do tipo que costuma insistir em aspectos emocionais. Segundo ele, ela não era desse planeta. Segundo ela, ele era um rapaz cheio de sentimentos. Após algumas considerações, chegaram à conclusão de que vários papéis podem ser assumidos ou desempenhados em meio às relações que estabelecemos nos múltiplos lugares pelos quais transitamos. De modo que seríamos todos atores dotados de diversas facetas. “A máscara é necessária. É isso. E ponto”, concluiu a moça. E antes que ele pudesse fazer alguma objeção, ela resolveu interromper o diálogo por alguns instantes. Motivo? Uma espécie de fome súbita que sempre lhe acometia em horários impróprios. O típico assalto à geladeira virara tradição entre eles, assim como as conversas madrugada a fora.

Enquanto esperava o retorno dela, ele pensou no quanto tudo aquilo era curioso e na forma como as coisas haviam se transformado entre eles. Conheciam-se há muitos anos, mas o simples ato de conversar era uma completa novidade. Dos tempos antigos ficara apenas uma breve imagem fragmentada pelos lampejos da memória anunciando que não eram totalmente estranhos. Por isso, quando do reencontro, tiveram que se conhecer novamente. No caso deles, conhecer novamente era mais ou menos como conhecer pela primeira vez. E como se fosse a primeira vez, ela lhe pareceu de uma singularidade impressionante.

Refletindo sobre esse tempo no qual haviam se “perdido”, ele entendeu que estavam na verdade tratando de se encontrar, aprendendo a usar os pés para ganhar aquela medida de autonomia que só pode ser alcançada mediante o esforço e a conquista pessoal. Foi neste processo que eles mudaram e se reencontraram. Agora, como tinta nova e colorida numa casa que até então fora branca, descobriam o prazer do diálogo e a sensação agradável de saber mais de si enquanto se apreendia mais do outro. Ela agitava o mundo dele com as suas verdades incomuns e o fazia pensar sobre prismas diferentes. Da sua parte, ele lhe “apertava sem abraçar” com questionamentos que tinham como objetivo fazê-la falar sobre coisas que normalmente não diria. Ela gostava de confundi-lo e ele de lhe deixar curiosa. De vez em quando colidiam. E quando ele dizia “tudo bem” e ela “eu entendo” já sabiam que estavam na verdade discordando um do outro. Nesse movimento eles não apenas se conheciam como reconheciam e forjavam novas percepções.

Enquanto a moça não voltava do lanchinho rápido, ele mais uma vez olhou as fotos que havia tirado na ocasião passada e reparou naquilo que sempre fora a marca registrada dela: o sorriso. “Quando eu vejo alguém que gosto, não consigo segurar” teria lhe dito certa vez. Foi quando ele percebeu então que... Ela voltara falando do abraço apertado que deu no gato peludo cujo nome ele não lembrava. Tratou então de mudar de assunto para que não fosse descoberto em seus esquecimentos. Perguntou sobre os odores que lhe eram agradáveis e ela prontamente começou a falar sobre o cheiro das flores que ora lhe envolviam numa atmosfera de contemplação e ora lhe causavam reações alérgicas. Mas esse detalhe ele já sabia: era preciso ter muito cuidado e saber escolher muito bem o perfume antes de pensar em encontrá-la, caso contrário o resultado poderia ser constrangedor.

A verdade é que nenhuma cena no teatro ou na vida é congelada para que alguém possa nos explicar todos os seus pormenores e implicações. Ainda assim temos essa incrível capacidade de nos impressionarmos, admirarmos e sensibilizarmos das coisas que vemos e com as quais nos envolvemos. Talvez não seja tão fácil compreender a dinâmica desses dois, mas pode ser divertido tentar. Ao que parece, usando, eles brincavam de tirar as máscaras e pouco a pouco percebiam que nem ela era a Razão e nem ele o Sentimento. Entre as boas conversas, sorrisos e canções, havia agora saudade.

Quem disse que Deus é Deus?


Quem disse que Deus é Deus?



Quando Nietzsche afirmou que Deus estava morto, ele certamente causou a perplexidade e, por quê não, a revolta em milhares de almas que se dedicavam diariamente a propagar o contrário. O curioso é que a frase "Gott ist tot" – no original - continua assombrando e indignando muita gente. O problema é que somos muito bons em prestar atenção no emblemático e não entendemos o alegórico.

Tudo o que existe tem um nome. Até o que não pode ser visto ou caracterizado com precisão recebe definições. E damos nomes com muita naturalidade, como quem acredita piamente que o seu papel no mundo é nomear. O homem sempre quer ter um papel claro e objetivo em tudo o que se envolve, então geralmente importa ser e, quando não, saber quem foi o primeiro a distribuir alcunhas, pois o nome – que pode ser atribuído à alguém ou à alguma coisa por diversos motivos – ganha status de oficialidade. O homem gosta de chamar tudo pelo nome. Será? Pelo menos se sente mais confortável fazendo isso. Dar nomes é assunto muito sério no mundo dos homens. Em alguns casos requer, inclusive, a adoção de práticas jurídicas para legitimar o feito. Mas, acreditem, dar nomes não é apenas um artificio legal, é também um direito sagrado. Pelo menos para os homens literais que embalam suas Bíblias todos os dias antes de dormir. Está lá, no livro primeiro, em tom profético, “e o nome que o homem desse a cada ser vivo, esse seria o seu nome”. Curiosidade boba: quem deu a Deus o nome de Deus? 

Talvez no Éden, essa coisa do homem dar nomes e não se complicar com isso tenha funcionado perfeitamente. A questão é que já não vivemos no Éden. Então, e no caso de se discordar do homem que nomeou o que gostaríamos de chamar por outro nome? Desde quando nesse mundo um fala por todos? E, no fim das contas, não teríamos todos o mesmo direito de nomear? E se num belo dia eu acordar e quiser chamar o sol de qualquer outra coisa que não seja sol? Eu sei, vão dizer que isso não muda os fatos e que ele continuará sendo sol independentemente do meu querer. Pois bem, esse é o ponto. O nome sol não é um fato, é só um nome. Recorrente porque assim o tornamos. Então, parafraseando o mestre Paulo Freire, refaço aqui a minha curiosidade ingênuae a transformo em curiosidade epistemológica: Quem disse que Deus é Deus?

Algumas pessoas estão prontas para difamar e insultar Nietzsche simplesmente por que ele tratou o nome como nome. No entanto, o mais interessante de tudo é que essas pessoas fazem a mesma coisa, tratando o seu Deus como mero substantivo capaz de ser caracterizado e definido. Para elas e para mim escreveu Rubem Alves:


“Palavras são gaiolas. O falado é aquilo que a razão engaiola. Um Deus que pode ser engaiolado por palavras não é Deus. Deus é um “Passáro Encantado”. Para ele não há palavras”. 


Créditos da Imagem: Mario Gruber/Mão/Óleo sobre tela/1983

Postado por Alan na Segunda-feira 05 de abril de 2010 às  07:19.

Uma Estória

- Que é isso rapaz!? Você surtou? Por que essa atitude agora? [se levanta, põe as mãos na cabeça com preocupação]
- Fenando, tem dias que a gente não aguenta e tem que dar um jeito de botar pra fora. [explica sentado na cadeira de balanço]
- Mas a gente sempre tem que pensar em nossas responsabilidades, com as pessoas que a gente ama, com o nosso trabalho. Não dá pra simplesmente joga tudo pro ar e sair debaixo. [fala, andando para lá e para cá, inquieto]
- Fernando. Ô! Fernando. Presta atenção. Nós seres humanos temos a mania de achar que somos muito importantes e quase nos convencemos de que somos insubstituíveis, mas não. Então, quando a poeira baixar, todo mundo vai ver que foi melhor assim. Não há mal que não se acabe e por si só. Isso é tão piegas [faz careta de asco e se levanta]
- Então é assim? Os fins justificam os meios e o resto que se dane? Todos somos apenas resto na tua vida? Seu egoísta! [aponta o dedo na cara e balança a cabeça negativamente. Vira de costas e pára defronte a um espelho na parede]
- É muito fácil falar quando não se tem a angústia de viver sem esse desejo de estar vivo. Não há prazer em ser feliz, visto que isso é só ilusão. A vida para ti pode ser simples e comum, mas essa rotina e o anseio de querer mais e a mediocridade das pessoas não valem a pena deixar-nos vivos.
- Você já tomou sua decisão?
- Já.
- Então por que você precisa de mim? Qual a razão de me chamar aqui?
- Preciso avaliar todas as possibilidades, verificar cada paralelo e rever as hipóteses.
- Para que? De que vale minha opinião?
- Sua opinião sempre foi importante. É com você que conto sempre. Só você me conhece como realmente sou, sem figuras de linguagens, sem eufemismos, sou nú diante de ti.
- (...) [vira-se. Olha nos olhos. Toca a face. Rola uma lágrima dos olhos de ambos]
- (...) [segura forte as mãos de Fernando.]
- Você não pode simplesmente negar tudo o que você é. Você precisa viver, seguir em frente, por mais que as coisas não tenham acontecido exatamente como planejado. Não voltes atrás. Eu só sei viver. [engasga] Eu apenas sou eu, se for com você. Se for você. [solta as mãos]
- Tá bom. Você me convenceu. Essa hipótese já foi avaliada. Pagarei um preço por esta minha tentativa, mas isso redimo depois. E sei que posso contar com você para me apoiar, apenas você. procure me perdoar, por favor.
- Você sabe que não há como não ser, Fernando.